Sunday, April 30, 2006

Gosto muito de I...

...palavras, frases, expressões que retratem na perfeição aquilo que muitas vezes queremos dizer com palavras nossas e não conseguimos. Até que um dia lemos "precisamente" aquilo que tinhamos pensado num dado momento e que nos ficou entalado no meio da garganta numa espécie de som que nao conseguiu sair de debaixo da língua.
Mas bom, adiante, que não me quero prender com questões fonéticas.
Falo de conteúdo, como já se deve ter percebido no parágrafo anterior. Nunca vos aconteceu estar a ler um livro e ler uma frase ou uma expressão que descreve exactamente uma sensação que já tendo sentido não tinham ainda conseguido descrever em palavras? Perdoem-me a expressão banal mas "adoro quando isso me acontece" apesar de ficar com uma pequena ponta de inveja por não ter conseguido eu ter escrito ou dito aquilo mesmo que por palavras menos elaboradas mesmo que numa combinação não tão bem conseguida.
Ia eu a dizer agora que há escritores mais propensos a "fazer essas descobertas" essas "viagens ao interior das nossas mentes" mas parando agora para pensar concluo que não é bem assim, Acho agora (que o bom do ser humano é também esta capacidade de, pensando, podermos mudar de ideias) que talvez cada um de nós se descobre a si mesmo nas palavras de escritores diferentes. Um Somerset Maugham para mim poderá ser um Stendhal para alguém. Um Alessandro Baricco para mim (Oceano mar acho que é dos meus livros mais sublinhados, Sim, incluo-me na categoria de hereges que sublinham os livros) poderá ser, porque não, uma Margarida Rebelo Pinto para alguém...
Eu gosto, apesar da inveja que admito, de ler nas palavras escritas por alguém, sentimentos e sensações que, mesmo já tendo sentido ainda não tinha conseguido pôr em palavras e agora, ao escrever este texto percebo que não há um nem dois escritores que nos compreendam a todos. Afinal de contas o que hoje em dia não faltam são escritores por isso, tentem vocês encontrar aqueles que melhor vos hão de compreender. Eu, já encontrei os meus.

Hoje até não me importava de ser atropelada por uma aspirina...

Friday, April 28, 2006

"Laocoonte, rimas várias, andamentos graves"...



...É o mais recente livro de Vasco Graça Moura que será lançado hoje na abertura da XXXII Feira do Livro do Funchal. Este (re) lançamento marca a tarde de hoje e acontece pelas 19h00 no Átrio do Teatro Municipal (onde irão decorrer muitas das actividades enquadradas nesta Feira).
Mas se tiverem tempo talvez valha também a pena passar pela Sala do Senado da Universidade, pelas 15h30 para assistir à apresentação de " O anjo da tempestade" de Nuno Júdice.
Os sons de hoje acontecem no Jardim Municipal, pelas 22hoo, com o concerto "Habitat" que ao que ouvi dizer será um reencontro de alguns músicos que não tocam juntos há muito tempo entre os quais o Paulo Ferraz.

Thursday, April 27, 2006

O Beijo...

Der Kub, Gustav Klimt, 1907
Pode ser visto no Osterreichische Museum em Viena, Áustria.
É um dos meus quadros favoritos (meu e de outros milhões de comuns mortais, é certo. Mas as multidões, por vezes também acertam...). Lembro-me que conheci a obra de Klimt na cadeira de História de Arte que tive na universidade. Foi um momento de descoberta. O sentimento passado para a tela é impressionante. Quase sentimos o calor do abraço.

Wednesday, April 26, 2006

Leituras V: O Duplo...

... de Fiodor Dostoievsky.

Estive a lê-lo no meu fim de semana prolongado. Apesar de ser um pequeno livro, ainda estou a tentar digeri-lo. A história de Goliádkin que enfrenta um usurpador da sua identidade, um duplo de si mesmo a quem o autor a certa altura chama de: Goliádkin Junior.
Goliádkin, pelo que me parece do pouco que li do autor, é semelhante aos outros "heróis" criados por Dostoievsky, encarnando o homem em revolta não apenas contra a sociedade - formas de agir, preconceitos, competitividade - mas também contra si próprio.
Disseram-me que este "O Duplo" é considerado um precurssor do género ficcional. De facto este livro absorve o leitor na mirabolante história de Goliádkin seguindo-lhe os passos e (porque não) as paranóias.
Confesso que gostei mas também confesso que vou ter que relê-lo.



"O Duplo" foi escrito por Dostoievsky aos 24, sendo um dos seus primeiros livros. Pelo que li foi escrito logo depois de "Gente Pobre".


A propósito de um jogo de Trivial voltei a lembrar-me de Hopper...


Edward Hopper, Nighthawks, 1942

Sempre gostei deste quadro de Hopper porque acho que podemos perder-nos durante horas a imaginar a história deste homem e desta mulher: o que fazem ali, já se conheciam, encontraram-se casualmente? O homem de costas, ouve a conversa, observa-os? O empregado?

Como acabará esta história?


Friday, April 21, 2006

Feira do Livro do Funchal...


...Entre 28 de Abril, 6ª feira e 7 de Maio, Domingo, a Feira do Livro volta ao Funchal na XXXII edição. As barraquinhas como tem acontecido nos últimos anos vão estar no Jardim Municipal mas depois há uma série de actividades no Teatro Municipal Baltazar Dias, Café do Teatro, Cup&Cino e na Placa Central. Conferências, Tertúlias, Prémios Literários, Concertos entre tantas outras coisas vão acontecer durante estes 10 dias.
Vamos ver se a organização nos surpreende ou se, pelo menos, não nos desilude. Eu espero que sim!

Fim de Semana na Praia...

Girl with Ball , Roy Lichtenstein

Espero que o sol apareça...

Thursday, April 20, 2006

Livro de Horas...

Aqui diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,

Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas
O dos facadas cegas e raivosas,
E o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo

Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo

Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.

Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!

Miguel Torga


Lembrei-me deste Poema de Miguel Torga quando pensava numa querida amiga minha que passa agora uma fase dificil na busca da sua felicidade. Talvez lendo as palavras deste grande poeta consiga compreender que todos somos pecadores e que a felicidade é uma luz que temos que perseguir e deixar que nos ilumine porque sem esse calor ficamos frios, com o corpo e a mente dormente, como que insensíveis ao toque.

Wednesday, April 19, 2006

Já não se pode com IV...

....aqueles que querem agradar a todos, os que vulgarmente dizemos que "querem agradar a gregos e a troianos".

Para o caso de nunca se terem debruçado sobre o assunto eu partilho a minha visão: é impossível!! E, para além de impossível é quase sempre causador de discussões porque, esses "agradadores" acabam por causar as maiores confusões quando, a cada momento e a cada pessoa que lhes aparece à frente, acenam que sim com a cabeça dizendo "pois, está claro...!". Só que este, "pois, está claro" refere-se às várias versões de uma mesma história onde, regra geral, o único elemento comum é o dito "agradador" que acenando com a cabeça e, ocasionalmente, encolhendo os ombros, acede com esse "pois, está claro" a todos os protestos do seu interlocutor. E utilizo "seu" no singular porque normalmente o interlocutor é uma só pessoa, caso contrário, ficaria ainda mais difícil para o "agradador" conseguir concordar com tudo o que é dito.
Bom, mas dizia eu que estes "agradadores" normalmente conseguem causar ainda mais confusão do que aquela que estão a "tentar" resolver porque, ao dizerem que sim a todos não estão a ajudar a resolver a questão, nem a encontrar soluções estão, simplesmente a tentar não tomar posição para não ficarem de mal com nenhum dos interlocutores. Chegamos então à espécie dos "agradadores sem costas" que são os que tentam nunca ficar de costas voltadas para ninguém porque na verdade temem que, num virar de costas fiquem mais vulneráveis à crítica que eles mesmos fazem quando têm oportunidade.
Não compreendo porque é que estas pessoas têm medo de chegar-se à frente com um "não concordo" a um dos seus interlocutores. Vá lá, se tentarem ser apaziguadores que comecem a frase com qualquer coisa mais suave como "vê lá que se calhar a história em vez de verde também pode ser analisada com uma ligeira tonalidade de azul....". Mas não, têm sempre que acenar a cabeça que sim, terminando frases sem sentido nenhum com um "pois, claro".
Mas a cereja oferecida por estes "agradadores (obssessivos) sem costas" é mesmo a expressão do "tem tão mau feitio, que insuportável" quando encontram alguém que diz "não concordo". É que "é um conflito completamente desnecssário" dizem os agradadores por entre dentes com um trejeito assim de lado para não correrem o risco de ser ouvidos por mais de um interlocutor. Isso não.

Tuesday, April 18, 2006

Esta é minha...

Bilbao, Abril de 2006

Esta não foi "roubada" na Internet, é mesmo minha e aqui fica. Quem sabe para ser roubada por outros...

Cinema I: Capote...


Philip Seymour Hoffman as Truman Capote
Imperdível.
Pela história, pelos actores, pela realização.
Ver um filme baseado numa história real é sempre qualquer coisa de surreal porque ao olharmos para o ecrã estamos a "ver uma vida". E é precisamente isso que vemos neste "Capote": a vida do escritor Truman Capote e todo o processo de investigação e escrita do seu mais famoso livro "In Cold Blood".
O argumento para quem, como eu, não conhecia a vida do escritor nem a história do livro, é verdadeiramente impressionante. Lá está, imperdível.
Mas a actuação de Philip Seymour Hoffman também não fica atrás, com o seu desempenho ganhou o Oscar para melhor Actor. Mas não é só, a nomeada Catherine Keneer (para o Oscar de melhor actriz secundária) também está fabulosa.
Sob pena de me tornar repetitiva: imperdível...

Leituras IV: O Fio da Navalha

Aproveitei as férias para ler.

Li atentamente, no início mais devagar para conseguir entrar na escrita por vezes densa do autor, e depois com mais avidez, para tentar descobrir rapidamente os segredos que as páginas guardavam, "O Fio da Navalha" de Somerset Maugham. O livro foi um presente e foi um daqueles presentes que, desde logo, desconfiei que vinha com a intenção escondida de um dia ser tema de conversa, de discussão, de dissertação sobre as escolhas de Larry (o personagem central). Foi por isso que li este "O Fio da Navalha" não apenas com aquele prazer desprendido de quem quer perder-se por entre as páginas de um livro mas também com uma atenção redobrada de quem não quer perder um qualqer pormenor.
Pelo que li da sua biografia, este parece ter sido o último romance do autor, publicado em 1944. E de facto, o livro reflecte uma experiência de vida única, inigualável, só se pode escrever assim quando se sabe do que se fala. Porque ali não é só a narrativa, não são só os personagens, não é só a história que tem todos aqueles ingredientes que conseguem resultar na receita infalivel de nos prender da primeira à última página. É, para além disso tudo, uma lição e uma viagem sobre aquilo que todos buscamos: um sentido para a nossa existência, um conhecimento que queremos sentir, aquela certeza que queremos ter de que a nossa vida é plena. E queremos sentir essa certeza no mais profundo, no mais íntimo de nós mesmos, apesar de muitos não admitirmos ou, de muitas vezes procurarmos essa certeza de formas, por caminhos diferentes.
Mas nas páginas do livro seguimos vários personagens sendo que o Larry Darrel é sem dúvida o que mais nos conquista (a crítica escreve mesmo que este foi "O" personagem da vida de somerset maugham) mas a verdade é que Larry dá muitas vezes abertura para que os outros personagens possam brilhar. Quase como se Maugham estivesse a tentar mostrar ao leitor que não existe uma forma perfeita de existir. Porque todos somos bons e maus, por vezes ingénuos, por vezes cruéis mas todos somos humanos e todos temos as nossas razões.
O Larry desiste de tudo o que é material para poder procurar o espiritual. A Isabel não o faz, gosta do conforto e de manipular as situações. O Gray vive para venerar a Isabel e os seus sentimentos são tão simples que quase parecem não existir. Elliot que passa uma vida de aparência e ostentação revela uma bondade profunda. E tantos outros. Em comum têm o facto de não ser perfeitos. E essa foi para mim a lição do livro. Para vocês pode ser outra.

Wednesday, April 12, 2006

E tao bom estar de ferias...

Roy Lichtenstein, 1963

Para comunicar so assim, ...

Friday, April 07, 2006

Já não se pode com III....

...Falsos moralistas.

Aqueles que acham que confrontados com uma determinada situação, reagiriam de determinada forma, mas perfeita, claro. Porque os falsos moralistas raríssimas vezes erram. Isto a propósito de uma situação caricata com que me deparei hoje a caminho de casa. Uma senhora ao volante, num carro alto, avançou quando saia do seu lugar de estacionamento e atropelou um cão. Ouviram-se os latidos de agonia, as pessoas na rua levaram as mãos à cabeça e a senhora ao volante, atrapalhada, tentou, tão rapidamente quanto o seu sangue frio lhe permitiu, fazer marcha atrás com o carro. Verdadeiramente aflita, sai do carro, ainda sem perceber que não tinha sido culpa sua, ainda sem saber como reagir, o que fazer, e vendo o cão levantar-se para voltar a deitar-se um pouco mais à frente na sombra e segurança do passeio. Mas pobre sonhora ao voltante que não teve tempo para se aperceber do que tinha feito e de como agir de seguida, pois em seu auxílio veio logo uma transeunte indignada a insultá-la de todas as formas que lhe ocorriam. A senhora ao volante ainda visivelmente abalada perguntava "mas onde está o bicho coitadinho?" ao que a transeunte indignada respondia em tom exaltado "Mas vai dizer o quê? Que não foi culpa sua??! Vocês aos volantes, são %$"#$%#" e o cão agora é que paga! Mas e agora, vai pedir desculpa ao cão, é, é, é??", enquanto gesticulava freneticamente o dedo indicador.
Não sei como se resolveu a situação. O transito não se compadece destes in/acidentes e lá continuei a marcha revendo e ensaiando os insultos que eu, no lugar da senhora ao volante teria proferido à transeunte indignada e assim fui até casa, ensaiando um diálogo e descarregando naquela figura da transeunte indignada tudo o que guardo contra esses falsos moralistas.
Quero acreditar que o cão sobreviveu ileso ou pelo menos com poucas sequelas do acidente. Ainda bem que não fala a língua dos Homens senão teria com certeza ficado mais indigando do que a transeunte indignada.

Fui...


Depois mando postais...

Leituras III: Bonjour Tristesse

No outro dia a Catarina perguntava-me sobre um livro, romance, que retratasse a adolescência de alguma forma. Lembrei-me de imediato do "Bonjour Tristesse" de Françoise Sagan, só depois dei comigo a tentar relembrar a história para tentar perceber qual ao certo essa ligação.
É um pequeno livro, daqueles que se lê de uma enfiada, que retrata um verão de uma pequena família algo atípica: o pai, um bon vivant; a filha, narradora da história, uma adolescente que parece que se sente num paralelo suspenso do tempo, em que acha que tudo o que faz é permitido e que não interefere com a vida dos outros; a amiga da família que era amiga da mãe que já morreu e que, de certa forma, substitui essa figura maternal; a namorada do pai, uma criatura insegura, que com o ar fútil e adocicado, apenas quer agradar.
O cenário, uma vivenda isolada na costa do mediterrâneo onde passam o verão. A época, um verão quente com os seus dias longos. A história, uma história que poderia ser um episódio da vida de qualquer um de nós...
Mas não se deixem iludir quando falo em "simplicidade". Esta é, de facto, uma história marcante, por vezes mesmo cruel e deperta em nós um medo até de um dia, tomarmos a decisão errada.
"E depois, um dia, foi o fim. Somente quanto estou na cama, de madrugada, com o único barulho dos carros em Paris, a minha memória, por vezes, me trai. Chega o Verão com todas as suas recordações. Bonjour Tristesse..."

Thursday, April 06, 2006

A propósito do "Mulher em Branco"...


Heart by Keith Haring


...o último livro de Rodrigo Guedes de Caravalho, que entre tantas, deixa a pergunta, "para onde vão os amores que foram um dia"?

Wednesday, April 05, 2006

Nunca mais é 6ª feira...


Roy Lichtenstein, In The Car, 1963

Tuesday, April 04, 2006

Já não se pode com II...

...aquelas pessoas que acham que a culpa é sempre dos outros.

Faz-me lembrar um colega do trabalho que me diz com grande ar de sabedoria adquirida que "na função pública (onde já trabalhou) a questão não é assumir a culpa, é encontrar alguém para cima de quem atirar a culpa". São, invariavelmente, estas as pessoas que frequentam todos os seminários, conferências, encontros, colóquios. Todo e qualquer evento serve para sair duas horitas do trabalho (com sorte o evento termina as 16h45 e não têm que voltar ao trabalho) e acrescentar uma folha ao CV. Mesmo que, sendo juristas tenham assistido a um seminário "Sobre a importância da grainha da uva merlot no ritual de acasalamento dos peixes dourados", o que interessa - dizem com o peito cheio - é que a presença num destes eventos acrescenta um item ao seu (já de si muito interessante) CV. Acrescente-se ainda, a título de curiosidade que, normalmente, estas presenças assíduas, são também grandes apreciadoras dos Coffee Breaks, podendo mesmo, a decisão por parte de a organização de não promover esse convívio, ser factor determinante para a ausência de tão ilustres funcionários públicos.
Normalmente (situação que nem sempre se verifica) estas pessoas reunem ainda a característica de afirmar veemente em inúmeras ocasiões, "Eu posso não saber de muitas coisas mas lá disso(...)", sendo que o lá disso se refere a tudo. E como não poderia deixar de ser, conhecedoras que são de todos os temas mas sempre dizendo modestamente "eu posso não saber de muitas coisas...", não podem nunca ter culpa de nada de mal que acontece na sua repartição/divisão/serviço. "Eu errei", "eu enganei-me" são conjugações de tempos verbais que não fazem parte do vocabulário destas pessoas que também se caracterizam por falarem como quem sussurra quando começam as frases por "não me digas que ainda não ouviste dizer?" ou ainda "eu sei, contaram-me que lhe tinham contado e é como se eu mesmo tivesse visto".
Como diriam aquelas outras pessoas com as quais também já não se pode, "é o país que temos" (normalmente acompanhado por um encolher de ombros e, inconscientemente, por uma completa (essa sim, verdadeira) apatia do país que de facto têm...

Candy Shop

Os caramelos de fruta da Penha (quem não se lembra destes míticos rebuçados?!) dão o mote à exposição de Ricardo Barbeito que pode ser visitadas até 24 de Abril no Salão Nobre do Teatro Municipal Baltazar Dias.
Logo à entrada, a cortina, feita de fios cheios destes caramelos de todos os sabores - mirtilo, banana, alperce, morango, cereja, laranja, ananás - é para ser, literalmente, comida pelos visitantes. À entrada ou à saída podemos tirar livremente um daqueles caramelos da porta. A verdade é que acabamos por fazê-lo sempre de esgueira, de olhar atento a ver se alguém nos observa, porque o sentimento de que estamos a fazer alguma coisa de errado não nos larga.
Portanto, originalidade não lhe falta.
Mas atenção, que talento também não.
Nos quadros - com pinturas, com colagens, com montagens - a presença feminina é uma constante. A figura da mulher que nos lembra a década de 70, muito colorida, muito arranjada, com o cabelo armado e o sorriso perfeito, está lá, num jogo de cores que ora nos surpreende fazendo-nos perder mais tempo a analisar esta ou aquela peça, ora nos cativa à primeira vista sem sombra para dúvida: Gosto!
É uma exposição a não perder. Eu estou tentada a ficar com um dos quadros, porque os preços não são obscenos e estou em crer que este rapaz ainda vai dar que falar. Quero o quadro do limão!!
Aproveitem e, numa paragem no café do teatro, subam as escadas e visitem esta Candy Shop até 24 de Abril.

Monday, April 03, 2006

Tenho que parar de...

...achar que tenho o dever de mudar o mundo. Ou talvez não.
Com a chegada destes dias mais longos, deixo de lado o ginásio e começo a aproveitar os fins de tarde para ir andar a pé ao som do meu estado de espírito, com a música que escolho ouvir no meu ipod. No percurso que habitualmente faço encontro vários tipos de pessoas, muitas senhoras já de meia idade que andam freneticamente, normalmente aos pares, outras até mais velhas, com o seu porta moedas na mão, segurando-o com tanta força como se ele estivesse a debater-se por se escacapar por entre os seus dedos. Encontro tambén alguns homens, normalmente acompanhando uma mulher, eles com a barriga que caracteriza aquele tipo de homens que se deixaram vencer pela rotina de um sofá, elas com a expressão de quem os conseguiu arrastar de casa, muitas vezes olhando-se uma ao outro como se não reconhecessem na pessoa ao seu lado, aquela com quem casaram há 20 anos.
Mas todos estes, apesar de terem muito por onde falar e escrever, não prendem a minha atenção para além destas considerações que aqui faço.
Todos os dias quando vou e volto a pé para casa, num passeio de fim de tarde, ouvindo o som do meu estado de espírito no meu ipod, cruzo-me com um rapaz que está, invariavelmente num de dois locais: ou encostado junto à fonte, ou sentado no banco de madeira. De todas as vezes que passo por ele, baixo os olhos, desvio o olhar e sinto-me culpada.
Nunca o vi a falar com ninguém, nunca o vi a sorrir, nunca o vi com vontade de sair de um daqueles dois locais para ir para um qualquer melhor sítio, para uma qualquer melhor companhia. Passo por ele sempre a caminho da minha descontracção, ou no regresso a casa. Sempre com um objectivo.
Lembro-me dele ter andado na minha escola primária, lembro-me de que nessa altura brincávamos todos no recreio. Não me lembro de lhe conhecer família
Não sei onde mora, penso que não tem um tecto.
Eu tenho, tenho uma vida. E sinto-me culpada.
E todos os dias baixo a cabeça.

Leituras II : Aconteceu na Argentina

A propósito do post anterior recordo um livro que li, "Aconteceu na Argentina" de Lawrence Thornton que ganhou em 1987 o Prémio Ernest Hemingway.

Não sei se conhecem a história da chamada Ditadura dos Generais que durante muitos anos fez com que a Argentina vivesse soterrada no terror. O livro mostra-nos, a cada virar de página, não apenas uma descrição desse terror vivido por tantos mas também, e sobretudo, as histórias de esperança, de não desistir que foram sobrevivendo ao passar dos dias, dos meses, dos anos…
É uma luta de sentimentos. Por um lado temos a visão de quem foi sequestrado, levado pelos generais, por outro temos a visão dos que ficam, que ora optam por ir atrás, por protestar (passando muitas vezes a serem eles os sequestrados) e oram optam por se render ao silêncio do sofrimento. Porque não há sofrimento maior do que aquele vivido, sentido em silêncio.
Depois, é ver a sucessão de cenas, quase imagens fotográficas que passam à frente dos nossos olhos, de leitores, graças à capacidade descritiva de Lawrence Thornton. Imagens que às vezes são marcantes, incisivas, como películas antigas que nos levam a ser uma presença oculta, que não se vê mas que se sente, numa qualquer sala de tortura, onde os cabos eléctricos perpetuam choques constantes nos corpos nus daqueles homens, daquelas mulheres.

A Argentina ainda hoje reflecte muito isso, apesar de terem passado tantos anos (a ditaura dos generais na argentina ocorreu durante as décadas de 60/70). Todas as quintas feiras, algumas das "Mães de Maio" vão manifestar-se na praça em frente à Casa Rosada num protesto silencioso pelos filhos, maridos que perderam. Já o faziam durante a Ditadura, empunhando cartazes com os nomes, fotografias dos que tinham perdido mas ainda guradavam esperança de rever. Na maior parte dos casos isso não voltou a acontecer.

Sunday, April 02, 2006

Viagens II: O mundo do fim do mundo


A Patagónia...
Apesar do cenário que parece ter sido, pintado à mão, esta imagem é real. Retrata o amanhecer no Parque Nacional do Perito Moreno, em Cafalafate, na Patagónia Argentina.
Acho que foi a minha primeira viagem a uma "imensidão do nada" como lhe chamo. Sempre tinha viajado pelas cidades, habituada a ficar deslumbrada com grandes edifícios, com catedrais, a apreciar os pormenores da arte. O mundo do fim do mundo (usando um dos títulos do Sepulveda) é de tirar a respiração, mas pela imponência do vazio.
A Argentina é um país a não perder mas por favor não se fiquem por Buenos Aires. A "Paris" da América do Sul é fabulosa, sem dúvida, mas não percam o sul. Patagónia, as pamplas, Bariloche...
O norte também é bonito, as Cataratas podem ser vistas dos dois lados da fronteira, Brasileiro e Argentino. No primeiro estamos nas cataratas, no segundo temos uma visão mais afastada.
Mas, mais impotante que tudo, escolham uma boa companhia. Porque este é um daqueles destinos em que não vão conseguir ver tudo por mais tempo que tirem de férias e não querem perder tempo a discutir o que vão fazer, o que vão ver.
Uma viagem ao fim do mundo não se faz para isso, faz-se para "indo ao fim do mundo, ir ao fundo de nós"...

Já não se pode com...

...Pessoas que acham que têm uma opinião formada sobre tudo. Que cansativo termos que ouvir um especialista em cinema, um especialista em literatura, um especialista em desporto, um especialista em geografia, um especialista em psicologia....e tudo numa só pessoa. Poderia muito bem ser uma maravilha da genética mas não é: tal especialista não existe.
O que aconteceu ao prazer de aprender ouvindo quem sabe um pouco mais que nós?
No meu ranking, logo a seguir, separado por milésimas de um ponto, vêm os que acham que devemos mudar e em vez de assim, fazer assado ou cozido. Normalmente, estes últimos, reunem ainda a tendência de iniciar todas as frases com "eu sou ...".

Lembrei-me disto a propósito do episódio de ontem do Sexo e a Cidade em que a Carrie dizia qualquer coisa como "You shouldn't have to sacrifice who you are just because somebody else has a problem with it" (não confundir com devemos manter os nossos defeitos até que a morte nos separe deles. Não, por favor não.).
Mas é isto, protestemos contra as pessoas que acham que "deviamos ser mais assim, ou um pouco mais para a direita, levantando um pouco mais a mão". É que já não se pode com essas pessoas.

Músicas: Lisboa que adormece

Não tenho grande sensibilidade musical. Rarissimas vezes me recordo do nome das músicas ou dos cantores. Mais dificil ainda é dar um nome a um som: quem canta?... Mas gosto de ouvir música, gosto muito de escolher um som para um estado de espírito.
Uma das minhas mais recentes descobertas (para não lhe chamar vício...) é o album "Lisboa que adormece" de Paula Oliveira & Bernardo Moreira. São 11 músicas mais que conhecidas por nós todos, mas na voz de outros. Os sons também são muito diferentes, têm aquela melancolia suave do jazz. Não o puro mas um mais recente, mais doce como o iniciado com a corrente "Diana Krall".
Entre as 11 temos "E depois do Adeus", "No teu Poema", "Uma flor de verde Pinho" , "Invenção do Amor" ou a "Canção Triste" com letra de Ary dos Santos:

"Sou eu! sou eu!
Aquele que se ergueu
Para além das montanhas e do mar
E que às nuvens distantes foi buscar
A incógnita do sonho e da poesia.

Fui eu
Que me deixei pregar,
Numa cruz de mentira e de tristeza
E é a minha voz com que a noitinha reza
O De profundis do luar

Sou eu!sou eu!
Aquele que chorou
Numa amargura louca e indefinida.
O único que a morte não levou,
Depois de ter morrido para a vida."

Mas o conjunto, das letras&sons é mesmo o que mais vale a pena.

Experimentem, pode ser que depois de ouvir se deixem encantar como eu...

Saturday, April 01, 2006

Viagens: Vista sobre NY

Esta é, de facto, uma belissima imagem. Foi tirada por mim mas sem grande mérito para a fotógrafa. O cenário aqui, é tudo.
Foi tirada há pouco mais de um ano numa viagem que fiz sozinha a Nova Iorque. Viajar sem companhia é uma mistura de um sem número de sensações, de sentimentos. Não sei agora porque o quis fazer, não me lembro bem. Mas do que me lembro, com clareza, foi de ter achado que iria ser a resposta para tantas questões que me assombravam. Como se a distância física alguma vez tivesse tido o poder de resolver algum problema. Adiante.
Viajar sozinha, dizia eu, foi uma experiência emocionante, inegualável. Resultou em Nova Iorque, porque andei no meio da multidão, no meio da cidade que (é verdade) não dorme. Fui aos museus, fiz os percursos turísticos, entrei nas lojas da 5ª avenida, fui a espectaculos da Broadway, tudo. Sozinha. E sabem que mais, não o preferia ter feito com nenhuma outra companhia que não a minha. Mas também reconheço: não foi a resolução para nenhum problema. Foi sim, um periodo suspenso no tempo, em que não tive que falar com ninguém, em que não tive que me explicar a ninguém, em que não tive que andar ao sabor de nenhum outro ritmo que não o meu. E isso é qualquer coisa de indescritivelmente delicioso.

Leituras: A última lição

Acabei de ler um dos livros de Noelle Châtelet, penso que o único com tradução para o português, pelo menos que eu conheça.
É um livro surpreendentemente. No início é surpreendente porque desperta um sentimento de intriga, "mas que história absurda", mais para a frente, com o passar das páginas passa a ser surpreender pela tristeza que causa. É tão triste quanto real. Fez-me lembrar o "Em Nome da Terra", um dos livros que mais me marcou.
A última lição segue os passos de Mireille Jospin, que aos 92 anos, nem doente nem mentalmente diminuida decide pôr fim à vida, com data anunciada aos quatro filhos. O livro é o relato dessa decisão, um relato tão fluido tão forte que consegue pôr-nos, leitores, a criar imagens do que vamos lendo. As gavetas que arruma, as fotografias que vê, as recordações que lhe assolam a memória.
É uma comovente história de amor: de uma mãe com a sua filha (porque apesar de ter três filhos, a história é contada, na primeira pessoa, por uma das filhas), de uma mulher com a sua vida. É um hino à vida, na sua plenitude.

"É talvez no momento em que somos outra pessoa que acabamos por ser nós próprios."

Nota: Não sei se importará dizer, mas atrairá com certeza mais atenção para este livro, que esta mãe, Mireille Jospin, era a mãe do antigo Primeiro-ministro Francês, Lionel Jospin....